sábado, 13 de março de 2010

Trânsito

Esses dias, estava indo para a faculdade, sozinho. Daqui até lá são praticamente duas horas e meia com possíveis variações (para mais) de tempo se eu pegar trânsito ou algum acidente no caminho, e por isso eu geralmente saio por volta de 4:30 de casa. Nesse dia em questão, estava um puta calor, um calor tremendo, dessa leva que voltou a assolar os dias em São Paulo (depois daquela leve pausa onde eu cheguei inclusive a tirar meu moleton de dentro do armário, o tempo nos reservava essa surpresa - um mês de março suado). Enfim, peguei um ônibus até o Terminal Parque Dom Pedro, como de costume, e essa linha era uma que eu não costumo pegar justamente porque ela vai pela Radial Leste, via extremamente passível de trânsito (e como eu já vou pegar um trânsito filho da puta na Rebouças, não posso me arriscar a pegar 'dois trânsitos' num só dia).
Na metade do caminho, antes de atravessar o viaduto rumo ao centro, o calor começou a ficar insuportável. Insuportável de verdade, e nesse momento eu dei graças a Deus de estar praticamente sozinho no ônibus - estava sentado no último banco, e à minha frente eu via somente um homem dormindo, camisa meio aberta, cabelo grisalho, corrente de ouro no pescoço. Um tipo meio pedreiro. Perto da cobradora (era uma cobradora mesmo), havia uma mulher negra com os cabelos presos num coque elegante, sentada com uma postura de bailarina assim, tinha qualquer coisa de rainha africana. Fiquei um tempo olhando pra ela. No banco para idosos, um rapaz da minha idade mais ou menos ouvia música com fones e eu o invejei profundamente de não ter como fazer o mesmo. Revirei na minha mochila, achei uma garrafa com um pouco de água do dia anterior. A água quente fez um efeito pior, causou mais sede, enfim, um horror.
Aquele calor todo foi me dando um sono tremendo, as pálpebras vão ficando pesadas; eu olhava pela janela e ao longe as ruas pareciam ir derretendo, aquele efeito estranho, o asfalto parecendo uma frigideira no fogo. E pior de tudo era a perspectiva de mais, pelo menos, uma hora e meia de caminho nas mesmas situações. Meus olhos foram fechando lentamente, não resisti ao sono e dormi.
Acho que foram uns quinze minutos talvez, pouco mais que isso, na próxima lombada eu acordei. Acordar assustado é a pior coisa do mundo, saímos de um transe (que é o sono) muito subitamente, isso causa, na minha visão, um desconforto que mistura realidade e o sonho, é bem louco o negócio. O fato é que abri os olhos e os bancos do ônibus dessa vez eram vermelhos. Não lembrava dos bancos do onibus serem vermelhos, há anos que eu pego transporte público em São Paulo e pra mim eles sempre foram azuis ou cinzas. Dentro do ônibus entraram mais pessoas, uma moça loira que lia avidamente, bonita, muito bonita, a pele extremamente branca. A deusa africana continua sentada uns cinco bancos à frente, mas a cobradora não estava lá mais. Os outros também não estavam (o pedreiro e o cara dos fones de ouvido). Fiquei meio assustado, ainda mais quando olhei para fora e não reconheci a Radial Leste. O ônibus seguia por uma alameda cheia de árvores, uma sombra gostosa agora caia sobre ele e já não fazia mais tanto calor. Nas laterais da alameda, tinham umas casas simples, térreas, pintadas de amarelo claro, de azul claro, casas muito parecidas, algumas crianças brincando na porta, crianças bem branquinhas como a moça do ônibus. Devia estar em um caminho errado, pensei, e consequentemente muito mais atrasado do que antes. Mas eu estava gostando tanto daquele novo caminho, com sombra, ar mais fresco e as casas bonitas ao redor das alamedas que fiquei até mais calmo, meio que sem me importar em chegar ou não atrasado.
Ainda sim é bastante intrigante dormir num lugar e acordar dentro de outro. Ao cruzar uma esquina, o ônibus passou por um placa verde com uma inscrição - nesse lugar, as placas eram verdes - que eu mal conseguia ler. Mas lembro que era uma palavra inteligível: Arhpsankan.
Talvez o nome de um bairro, pensei, um bairro que não existe em São Paulo.
A deusa africana levantou de seu lugar, caminho quase levitando pelo corredor do ônibus e, sempre sorrindo, veio até mim e disse:
- Iptsi vraëm kriauis drath dja rarik naëm?
Fiz cara de interrogação. Ela simplesmente continuou sorrindo, sorriu mais ainda, os dentes muito brancos apareceram reluzindo. O ônibus parou, e ela desceu. Achei genial ter ido parar nesse lugar, assim, sem querer.

2 comentários:

Anônimo disse...

Da próxima vez não esqueça de levar uma garrafa de água bem gelada na mochila... porque todo esse calor faz mal pra cachola...

Essa situação me lembrou o começo do filme Um Dia de Fúria... esse filme é fera

Anônimo disse...

Vai ver que esse nomes estranhos queiram dizer alguma coisa ...já sonhei muito com coisas assim... é fantástico

Aquele abraço...