sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Saudades do menino deus

Queria eu era buscar qualquer alívio para todos os que fossem meus questionamentos. Sete e meia da noite, em algum ponto da serra gaúcha, penso no tamanho desse Estado e no quanto estou longe de casa. Penso no menino deus e no desenrolar dessa história - outra transa, outro caso, não sabia de nada naquelas épocas e hoje eu penso não saber de mais nada ainda. Com a mera ambição, entretanto, de saber de quase tudo. E saber tão pouco da minha vida, do que nos cerca, essas incertezas, angústia de comer devagar e não consigar vomitar, dessa que causa travo em garganta, que tem gosto de chimarrão amargo e quente aqui nesse vale do sul do país, com essa eu não sei lidar. Sinto falta dessa paz que nos acompanha quando estamos em um lugar de onde fazemos parte - não se trata, nesse caso, de gostar ou estar feliz. É como se houvesse, em algum momento da vida, essa possibilidade de se integrar com o todo com uma intensidade profunda, quase dolorida, uma presença constante, concisa e veemente.

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Curitiba de esquina

Fui dar em Curitiba, que se encontra no meio do caminho entre são Paulo e meu destino final no sul do país, e encontrei aqui uma cidade de centro interessante, um centro que mistura uma arquitetura clássica com prédios modernistas, ópera de arame, jardim japonês, casas de inverno, e passeando pelos arredores do hotel eu pensava em Dalton Trevisan e nos contos de O vampiro de Curitiba e tentava imaginar Curitiba no inverno e seus personagens caminhando solitários pelas ruas. Tão logo o sol surgiu no meio do dia chuvoso, lembrei que Curitiba era também berço de Leminski, saudado Leminski, cujos poemas me lembram os pensamentos que eu tenho na hora e sempre esqueço depois. Continuei na Avenida Barão de Rio Branco e, na esquina, com a Rua São Francisco, encontrei um sebo grande, amplo, convidativo: os livros arrumados nas prateleiras, nas estantes, um cheiro de incenso, pouco pó, diferente dos sebos da Liberdade ou da República, em São Paulo, aqueles onde eu mal entro e inicio minha interminável sessão de espirros. O que manda, guri, me pergunta o cara. O cara tem um sorriso na voz, sequer me olha, mas foi simpático: eu respondi, nada. Como sempre: do mesmo modo que outros respondem "só estou olhando" para vendedores de lojas de roupa no natal, eu respondo quando entro em sebos. Porque de fato, nada estou procurando: estou à espera de um achado, tão somente. E achei - um livro do Leminski. Antologia poética; poemas e análises críticas, por dez reais. Saio do sebo feliz, viro uma esquina, tomo um sorvete, observo: de longe, os curitibanos esperam seus ônibus nesses tubos transparentes, protegidos da chuva e do trânsito. Uma maneira confortável, eu penso, e acolhedora de se pegar um ônibus. Encaro os prédios do centro da cidade, de esquina: olho janelas. Penso: será que Leminski morava em um deles?

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Filme inaugural do cansaço

Porque é a atividade mais passiva do mundo, que era sentar-se em frente a televisão e deixar que o filme corresse. Exaltado, suspirava, prendia a respiração, depois aliviada, o peito enrijecido, os músculos esclerosados, depois relaxados: era o máximo da ação performática nesse momento, o de ver o filme, e não há nenhum problema, penso, e talvez me desminta tão cedo escrevo isso, em querer poucos, breves, mas ainda sim alguns momentos de pura paralisia e expectativa: no sentido de: ser expectador, tornar-se expectador, meio cansado de ser agente de vez em quando.

Só me proponho a agir no grito, gritar, gritando como única ação: de modo que, minha garganta haja, eu não, haja no sentido de agir e de existir, só ela exista e se torne a ativa de uma ação: não meu corpo, meu corpo queria inerte por uns momentos. No meio da rua, no meio do trânsito, mesmo com o farol aberto, pensei inclusive em deitar no asfalto no meio do meio dia em que cruzava a cidade. Choveu, chove, meu corpo inerte seria arrastado pela correnteza, eu passivo de ação, descendo a Consolação arrastado pela correnteza, mas gritando, descendo, escorregando, gritando.

Por isso que eu gosto de ouvir música, acabo de raciocinar.

domingo, 12 de dezembro de 2010

No calor e na dança: nós deliramos.

Domingo a noite, um domingo quente, ouvindo Chan Chan e morrendo de vontade de aprender espanhol, essa vontade que antes me tomava apenas para me permitir ler os romances de Julio Cortàzar no original e que agora se extende a me permitir a possibilidade de cantar as músicas do Buena Vista Social Clube em seu original também. Uma vontade excelente de viajar, reler As veias abertas da América Latina, como se São Paulo e minha casa fossem pequenas demais para abrigarem, por hora e pelas próximas semanas, meu coração que se dilata. Penso que a vida não se complica se não nos enraizamos em território que foi imposto – penso que talvez a vida como foi descrita e por nós aprendida talvez não seja a certa ou talvez não seja a boa, e quero sair por aí, e viajar. Eu nunca seria de lugar nenhum. E não seriam meus os problemas de lugar nenhum. Eternamente de passagem, um eterno: passageiro. Quase como um vampiro assumido, sem vínculos, gostaria de me aproveitar puramente das belezas de Havana, de Buenos Aires, e depois de outras cidades pelo mundo tais como Nova York, Paris, Madras, Calcutá, Tel Aviv, sem pregos, sem pinos, vivendo uma vida em cada esquina de cada cidade, sem crimes que não os de consciência pesarosa: abandonada família, abandonados amigos, abandonada a universidade, mas talvez essas ideias que surgem em minha cabeça sejam fruto do calor, do calor e da rumba: no calor e na dança, nós deliramos.