sexta-feira, 12 de março de 2010

Borges me persegue

"Pensei com medo onde estou? e compreendi que não sabia. Pensei quem sou? e não pude me reconhecer. O medo cresceu em mim. Pensei: esta vigília desconsolada já é o inferno, esta vigília sem destino será minha eternidade. Então despertei de verdade, tremendo"

Jorge Luís Borges, A duração do Inferno.
Há uns dois anos eu fui em uma exposição sobre arte argentina durante a ditadura militar e havia, no catálogo da exposição, esse trecho de uma obra do Borges. Fiquei fascinado na hora, tão fascinado que rasguei o trecho do catálogo e desde então trago ele comigo na carteira. Borges é um escritor que me persegue há um tempo, e cada vez mais ele se faz presente quando o assunto é literatura.

Sou fã do realismo fantástico latino-americano, absolutamente fã de autores como Júlio Cortázar e Gabriel García Marquez. Mas Borges sempre foi um cara de quem eu muito ouvi falar e nunca havia ido atrás. De um tempo pra cá, entretanto, ele tem me perseguido como se fosse necessário que eu lesse sua obra.
Começou com um programa na TV Cultura onde ele era entrevistado e que eu, por acaso, assisti, sem a menor pretensão, visto que havia colocado no canal pouco antes de dormir. À seguir, em uma viagem à praia com alguns amigos, enquanto eles jogavam baralho eu resolvi dar uma folheada em algumas revistas velhas guardadas no apê onde estávamos e eis que encontro uma entrevista com Borges, o escritor cego cuja biblioteca particular era uma das mais belas já vista pelo repórter em questão. Chegando em São Paulo, após a viagem e após alguns dias, eu recebo um poema do escritor por e-mail, de um remetente que eu desconheço:


Bem no fundo do sonho estão os sonhos. A cada
Noite quero perder-me nas águas obscuras
Que lavam o dia, mas sob essas puras
Águas que nos concedem o penúltimo Nada
Pulsa na hora cinza o obsceno portento.
Pode ser um espelho com meu rosto distinto,
Pode ser a crescente prisão de um labirinto
Ou um jardim. O pesadelo sempre atento.
Seu horror não é deste mundo.
Causa inominada
Alcança-me desde ontens de mito e de neblina;
A imagem detestada perdura na retina
A infama a vigília como a sombra infamada.
Por que brota de mim, quando o corpo repousa
E a alma fica só, esta insensata rosa?



Esses dias, na faculdade, a professora de Filosofia comentou que teríamos de ler, durante o semestre, um conto do Borges e mais uma vez o escritor apareceu na minha vida. Mas nada supera o último fato, este que mais parece um de seus contos. Na última terça-feira, eu estava super atrasado e acabei pegando o ônibus errado. Fui para o lado oposto da avenida onde eu deveria descer e o ônibus ainda por cima entrou em umas ruas que eu desconhecia. Resolvi descer ali mesmo, antes que ele se estendesse mais por caminhos que eu não conheceria e de onde seria bem mais difícil voltar. Enfim, ao descer do ônibus, dei de cara com um sebo.
Inevitavelmente, tive que entrar no sebo e, logo na primeira prateleira, um livro do Borges (chamado "Ficções") se encontrava à venda, à minha espera, por módicos R$ 10,00. Era a quantia exata que eu tinha na carteira, e, respeitando os percalços do destino, trouxe Borges comigo.

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