quarta-feira, 13 de outubro de 2010

O meu interno ou da essência de cada um.

O biscoito de polvilho na boca seca a saliva toda. A boca seca torna-se colada, língua e céu da boca, me impedem de falar. Eu seco, sem essência, penso em Maria Pompidou, aquela francesa de 28 anos cuja corpo era de uma arquitetura digna de Le Corbusier. Maria Pompidou que me questionava, mãos na borda da banheira e olhar acima do nível da água. O biscoito de polvilho é uma barreira para que língua e céu da boca se encontrem – aperto um contra o outro, poeira em minha boca, tudo seca, tudo perde o excesso e se torna o essencial, menos cheio, menos gordo, mais sintético Vou caminhando pelos corredores de minha casa, camiseta branca e calça moletom, sem meias, e me sinto assim meio isso, meio: essencial. Maria Pompidou tinha um corpo que era uma escultura, era atriz e dançava no palco com bailarinos musculosos cujos corpos eram projetos sinuosos de Niemeyer. Nos olhávamos entre palavras perdidas, copos vazios, mastigando biscoitos de polvilho, eu naquela época tão adiposo, tão excessivo, ia sobrando por entre as esquinas de Maria, ia sobrando pelo sofá, eu era todo um excesso de algo pegajoso, era a mais, e todas as tentativas de ser plural, multifacetado, numeroso, ainda sim não eram (não foram) suficientes para preencher as lacunas de Maria Pompidou.
Quando descobri que eu podia colecionar as palavras que eu ia dizendo, tornei-me um mestre sobre Maria e ela fugiu. Vou chegar em casa hoje, as quatro da tarde, abrir as janelas do meu quarto e deixar o banho laranja de fim de tarde invadir tudo. Vou então brincar com as palavras, doces tentáculos esses que chicoteam as mãos alheias e no entanto afagam e fazem carinhos em minhas mãos. Vou escrever somente para te causar inveja do modo como faço também carinho nelas, Maria Pompidou. Esses dias, quando perdi qualquer excesso que haja em mim, eu descobri que em essência eu sou isso: palavras.