quinta-feira, 29 de abril de 2010

Elucidar.

é tornar a mensagem de outrora em texto
(mas eu sempre me perco nas transcrições).
Porque no andor da vida comum, nunca estamos preparados para quando a poesia chega
(e quando ela chega, não respeita nada: atropela pelos olhos, as lágrimas, a alergia, gera uma tosse, um sono incomum, um fluxo de ar de dentro para eu mesmo e preenche qualquer falha do corpo com excesso de matéria)

terça-feira, 27 de abril de 2010

O parasita da Farmácia, a função de uma universidade e como seus alunos são selecionados.

Semana passada, um período que circula pelos e-mails dos alunos da Faculdade de Farmácia e Bioquímica da USP incitava os alunos a "...jogarem bosta num casal de viados...". Prometia, àqueles que fossem responsáveis pelo feito, entrada gratuita em uma tradicional festa realizada na Farmácia, a Festa do Brega. Os autores do "concurso" alegavam que a faculdade estava repleta de homossexuais que desmoralizavam o ambiente acadêmico e, para tal, convidava os alunos a "combatê-los".
Coincidentemente, na mesma semana, mais precisamente sexta-feira passada, tivemos um incidente com uma professora que tem o curioso hábito de faltar nas aulas quinzenais (assim estabelecidas por ela, sem qualquer tipo de consulta aos alunos). A professora mais uma vez faltou na aula e mandou um e-mail avisando no mesmo dia, o que fez com que vários alunos (principalmente os que moram longe - EU!) atravessassem a cidade e, ao chegarem na USP, se deparassem com a notícia.
Eis a pergunta: coincidentemente? Sim, coincidência. Coincidência não pelo fatos em si, mas pela repercussão que ambos tiveram nos alunos e colegas, uma repercussão que, a meu ver, denota uma série de coisas.
Somos uma turma de jornalismo. Essencialmente, o jornalismo é uma profissão que se baseia na crítica, no questionamento. Quanto a isso não me refiro ao campo ideológico, absolutamente, porque independente do posicionamento, independente de censura de editor, de orgão governamental, o jornalismo é crítico, até mesmo na prática do mau jornalismo, do sensacionalismo, etc. Mas me preocupa extremamente ver uma reação tão apática dos futuros jornalistas que serão formados por aquela escola em relação a esses dois fatos que se passaram na universidade.
Em primeiro lugar, o incidente da Farmácia me indignou profundamente. Depois de ter vivido três anos maravilhosos e de pura liberação intelectual e convivência (no real sentido da palavra) dentro da ETE Getúlio Vargas, durante meu saudoso Ensino Médio, e depois de um ano no cursinho, que apesar de ter sido um ano de restrição, foi onde eu conheci meus grandes amigos e acima de tudo, cabeças brilhantes, eu me recuso a acreditar que esse pensamento tão baixo e retrogrado esteja presente em uma universidade. Isso me remete a minha antiga escola, o colégio bairrista onde eu estudei durante o Ensino Fundamental, uma escola particular que fazia jus a qualquer High School de filme americano (com direito a índices de popularidade, roupa da moda, jornal de fofocas, enfim...). Nesse antigo colégio, repito, bairrista, com crianças de 12, 13, anos, hormônios à flor da pele e uma contenção sexual pra lá de grande, que havia esse tipo de brincadeira, "viadinho, bichinha...", e se costumava apontar e desmoralizar aqueles meninos mais afeminados, que andavam com as meninas, eram bons alunos, enfim. Me espanta, sinceramente, chegar em uma universidade que se diz a maior do país, cujos mestres e doutores enchem o peito para falar de sua produção intelectual e ver esse tipo de coisa como o que aconteceu na Farmácia. Podem me achar exagerado, achar que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra, mas eu digo que tem sim em duas instâncias: 1) Porque se pessoas com essa mentalidade tem acesso a vagas de formação científica dentro de uma universidade fomentada pelo dinheiro público, é porque sua seleção é bastante incoerente; 2) Porque não houve repercussão interna na faculdade. Externamente diversos orgãos se mobilizaram, mas dentro da USP, o que vejo são alguns poucos C.A.s escrevendo "cartas de repúdio".
Voltando ao caso da professora que faltou (que já faltava e que, certamente, faltará eternidade afora), volto a dizer: a seleção dos alunos é equivocada por demais. Não quero entrar em um juízo de valores, não quero estabelecer maniqueísmos, mas dentro de uma sala de jornalismo o que eu esperava era, minimamente, um questionamento adulto, conciso, bastante frio inclusive. Ouvi coisas desde "...se a professora ficaria ofendida com alguma manifestação nossa" até "eu não fui prejudicado pela falta dela" me deixaram desacreditado. Outros, já bastante passionais, canalizando sua rebeldia revolucionária de forma errada, queriam "quebrar o pau com a mulher". Enfim, de um modo ou de outro, essas atitudes me desacreditam, porque, independente de gostarmos ou não dela (e eu até gosto!), cobrar de uma profissional que ela seja pontual, que ela cumpra seu cronograma, que ela evite atrasos, que ela seja correta e respeite seus alunos assim como nós a respeitamos, não é nada além do óbvio. Não é nada além do que se cobra em empresas, em jornais, no mercado de um modo geral.
Nesse quesito, enxergar um conformismo tão explícito nos colegas me deixa meio estarrecido com o que se propõe a ser feito no jornalismo no futuro. Com o conformismo não se muda nada. As vagas de cada um de nós em uma universidade pública são custeadas pelos impostos pagos pela sociedade. De um mau encaminhamento desses impostos já basta o que é desviado por esquemas políticos do alto escalão governamental. Agora, sobretudo, se essa sociedade vai continuar alimentando esses futuros profissionais da imprensa, que não sejam profissionais conformados. Que se revoltem ainda com o preconceito, com a discriminação, com o descumprimento de regras, com a desorganização civil. Espero que a cabeça de alguns mude ou que se mude a forma de selecionar a entrada deles na universidade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Blablação.


"Não me venham com conclusões!
A única conclusão é morrer."
(Álvaro de Campos)

Existe, no teatro, uma técnica de improviso e treinamento de dicção e fala cujo nome é Blablação. A técnica consiste em falarmos com palavras desconhecidas, emitindo sons sem nexo algum, de modo que pareça que estamos falando em outra língua, totalmente desconhecida pelos ouvintes. Gesticula-se, esbraveja-se e por meio dos gestos o emissor busca uma compreensão do espectador uma vez que o entendimento verbal está totalmente comprometido.
Às vezes me sinto falando em blablação para os outros. Tento me fazer compreender, algumas frustrações, reclamações, dúvidas. Recebo, frequentemente, um sorriso amarelo em resposta ou – o que considero muito pior – uma resposta que em nada condiz com minha pergunta. Isso ocorre frequentemente quando converso com minha mãe, por exemplo, que tem o dom absoluto de interpretar errado tudo aquilo que digo.
Não posso, porém, culpar os receptores a minha volta. Cada vez mas eu sinto que a falha está em mim, no meu modo de dizer as coisas e tentar fazer com que captem meus sinais. Mas tampouco me culpo porque exprimir em palavras algumas idéias é tão difícil quanto entende-las. Isso tem ocorrido mais do que frequentemente quando tento explicar aos outros minhas propostas de reformulação do curso de jornalismo da ECA. A sensação que eu tenho, ao debater alguns tópicos fundamentais com outros colegas, é que entramos em uma discussão impertinente que muitas vezes sequer diz respeito ao ponto principal que eu, outrora, defendia. Por vezes esses questionamentos todos cansam, irritam, e o debate se torna um cachorro correndo atrás do próprio rabo – que, após inúmeras voltas, está tão cansado que desiste da tentativa.
Vontade não me falta em falar o que não é inteligível de uma vez. Chutar o pau da barraca para completar esse processo todo, passando a falar uma língua só minha. Sem necessidade de ser entendido. Se não me engano o Arnaldo Baptista fez isso certa vez – ficou sendo conhecido como louco, claro. Mas eu entendo, sinceramente, porque falar, falar, falar, repetidas vezes sem um fio de compreensão por parte dos que te cercam cansa. E muito! Ficaria tudo na intenção e a necessidade de se esforçar para promover a interpretação seria dos outros – não mais minha, agora sequer ligando para me fazer entender.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Essa ingrata profissão.

Voltando da lanchonete que se localiza no prédio de Artes Cênicas, eu e mais duas amigas conversávamos sobre os cursos. Das Cênicas ao prédio de Jornalismo, passamos por todos os cursos da faculdade: Artes Plásticas, Música, Cinema, Publicidade, Relações Públicas e enfim chegamos ao nosso. Fazendo observações à respeito de cada uma daquelas profissões, descobrimos que a nossa em questão é a mais mal remunerada, a mais mal vista e que mais põe em cheque as convicções ideológicas e ética do profissional.
De certo modo sinto que existe uma injustiça cometida por algum orgão invisível com o jornalista. Esse profissional que historicamente ganha mal, que muitas vezes é enxergado como um fofoqueiro da história, um inconveniente, é ainda por cima um cara que adquire todos os problemas da sociedade para si sem, entretanto, ter alguma vantagem com isso além de um hipotético alívio de consciência. Um outro amigo da faculdade diz que não se deve cobrar reconhecimento por atuação social, se não isso vira caridade. E concordo. Entretanto, trabalhar em prol de uma sociedade que mal valoriza seu trabalho é dose.
Chegando ao nosso prédio, fomos para uma aula que diz respeito à legislação, ética profissional, enfim. Segundo o professor, no meio de sua explanação, o intelectual é o ser que não possui acordos com as grandes empresas. "Desconfiem de jornalistas que fazem par com a grande imprensa", disse ele. De fato é uma questão decorosa, essa. Discutida em todos os debates dos quais tenho participado, núcleos de discussão sobre o curso, fórum disso, daquilo, enfim, ódio à grande imprensa. E eu realmente discordo da maioria das posturas que ela adota dentro das possibilidades midiáticas que nos são oferecidas. Mas aí, somado à todos os outros fatores que já inoportunam nossa profissão, aparece o fato de que os bons empregos disponibilizados no mercado estão contaminados por uma indecência mercadológica tremenda. Desse modo, não sobra muita saída ao jornalista, principalmente aquele formado em universidades públicas que tem constantemente o contato com os problemas sociais enfrentados por instituições do gênero.
Ora, somos mal pagos, nossa conduta é sempre discutível e discutida e quando temos a oportunidade de ganhar razoavelmente bem ou ter uma carreira estável, precisamos necessariamente deixar de lado qualquer convicção que nos tenha motivado (e que me motivou, sim, sendo bastante sincero, a escolher essa carreira) e pôr a consciência que nos resta à prova. Soluções para a prática do bom jornalismo sem aliança partidária ou sindical, com a certeza de que será possível pagar uma prestação no fim do mês e que nos sobre, ainda que um pouquinho, a sensação de estar fazendo algo de bom para a sociedade... alguém sugere?