domingo, 28 de fevereiro de 2010

O amor é uma criação burguesa?

A cultura ocidental pós-revolução industrial foi pautada na criação do entretenimento de massa. Obviamente, a literatura na época era uma das maiores disseminadoras de diversão entre a classe recém formada (a burguesia), uma vez que ainda não contávamos com a televisão. O romance romântico surgiu, justamente, como alimento para a vida burguesa, principalmente para a mulher que só vai conquistar uma posição de destaque nessa sociedade no final da primeira metade do século XX. Deste modo, o casamento era a grande realidade da vida dessa mulher. Para tal, a literatura o emoldurou por meio da imagem do amor, misturando o passado histórico medieval (o castelo, a princesa, e o príncipe) com traços românticos: o final feliz, a necessidade do par, a afetividade

O casamento era, durante a monarquia, nada mais do que um contrato, tanto entre a nobreza quanto entre a plebe. Até o Romantismo efetivá-lo a um patamar de encontro entre duas pessoas que se amavam, ele nada tinha a ver com o amor. Lendo uma pequena biografia não-autorizada da Ana Cristina César, o autor, amigo da poeta, revelava uma discussão que haviam travado certa vez e que me motivou a refletir sobre o assunto: seria o amor uma criação ocidental? Veja bem, nas sociedades orientais como a indiana e a japonesa, não existe essa idealização do amor. Fala-se sim do casamento, não como contrato ou como selo desse ‘encontro’ entre duas pessoas, mas sim como a mera junção de dois seres humanos afim de prosseguir com a reprodução e linhagem da espécie. O engraçado é que justamente nessas sociedades, o sexo não é visto sobre um viés pecaminoso, mas sim como um momento de glória, busca de prazer, tanto pelo homem quanto pela mulher. Um paradoxo tremendo: nas sociedades onde o casamento não se faz em prol do amor, mas sim visando continuar uma linhagem sucessória, o sexo não é encarado somente como meio de procriação e o prazer é cultivado (vide itens culturais como o Kama Sutra).

Ai eu penso: então nós, que vivemos nessa sociedade burguesa, herdamos também, além do conceito de família, trabalho, ascensão social, o amor idealizado de nossos antepassados? Quer dizer, seria esse sentimento nada mais do que um instrumento para promover a manutenção do mundo ocidental do jeito que ele é? Tendo em vista esse questionamento, ainda me sobra uma outra pergunta: se o amor é ou não uma invenção, e se temos a noção de que ele pode vir a ser, porque sofremos tanto com ele?

3 comentários:

Anônimo disse...

Sofremos com ele porque fomos criados com essa idéia de romantismo. Levamos parte dessa cultura que é a estética da burguesia, o relacionamento egoísta, querer aquela pessoa só para nós e valorizamos tanto o casamento quando esse, na verdade, nada mais é do que uma armação biológica que tem como único intuito garantir a continuidade da espécie.

Mas graças aos céus depois do Romantismo veio o Realismo, com muita traição, tempos depois veio Nelson Rodrigues...

companheira cronópia disse...

...mas mesmo esses movimentos se adaptam ao conceito de amor ocidental.
a questão: faz sofrer e estimula? e no fundo é bom não é!? é nossa cultura, para que negá-la?

Cheiro de Mofo disse...

Será que o entretenimento em massa é só pós-revolução industrial? Então o que foi a política do pão e circo? Acho que esse entretenimento em massa foi 'massificado' no pós-rev. mas ele já existia.

Quanto ao restante do texto eu concordo com você! Mas quanto a sua pergunta eu acho o seguinte: As pessoas buscam o casamento ou pensam que ao se casarem, muitos dos problemas serão resolvidos e a vida será diferente. Mais ou menos parecido com aquela nossa conversa sobre o fato de que passar na USP deixaria nossas vidas diferentes e hoje cá estamos e vemos que não foi nada disso. Talvez o casamento seja só mais uma esperança.