quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Caio Fernando Abreu: o escritor da paixão.

Meu primeiro contato com a literatura de Caio Fernando Abreu foi quando estava no primeiro ano do Ensino Médio. Procurava um texto que retratasse o conflito de algum morador urbano com o contexto da cidade grande para desenvolver um trabalho de Artes. Pesquisando na internet, dei de cara com o conto 'Creme de Alface' e mal sabia que esse seria o início de uma longa admiração pelo autor.
Às vezes eu passo por uns processos de abstinência de sua literatura, intencionalmente mesmo. A prosa do Caio, carregada desse sentimento de incompreensão e impotência da juventude pós-ditadura e pós-contracultura, que se tornou adulta em plenos anos 80, às vezes se torna bastante repetitiva. Certa vez, conversando sobre ele com uma amiga que é também muito sua fã, eu disse que todo conto de Caio trata de um soropositivo homossexual e viciado em cocaína que está curtindo uma fossa, largado em seu apartamento. Ela não gostou muito pelo visto e alguns dias depois me mostrou um trecho, uma citação do Caio e, ao ver minha admiração pela genialidade do trecho em questão, rebateu dizendo que se tratava apenas de um "autor soropositivo curtindo fossa". Calei a boca na hora.

Entretanto, é inegável que a literatura de Caio é bastante autoral. Se por um lado ele como jornalista era um cara bastante internacional, tendo trabalhado em publicações de Nova York, Paris e Londres e vivido em diversos outros países, como escritor não é possível detectar esse homem tão cosmopolita. Seus personagens tendem a se prender nesse reflexo do jovem que saiu do interior do Rio Grande do Sul e veio se perder em São Paulo, se render à multidão de experiências e cores novas que o ambiente urbano daquela época lhe possibilitava. Um cara culto, acima de tudo, que falava diversos idiomas e entendia de literatura, música e cinema o suficiente para ser um crítico ferino do que não considerava essencialmente arte. Recentemente, vendo uma entrevista do Marcelo Rubens Paiva, descobri que a primeira edição de 'Feliz ano velho' foi rejeitada por Caio quando este trabalhava na editora responsável pela publicação do livro.

O engraçado é que acompanhando sua obra de forma cronológica, isto é, partindo de 'Limite Branco' que foi seu primeiro livro, escrito ainda com pouca idade (17, 18 anos, não sei ao certo...) e chegando às últimas cartas que tanto enviou aos amigos pouco antes de morrer, reunidas em coletâneas como 'Para sempre teu, Caio F.', nota-se claramente um processo de entendimento, de superação. No começo, Caio parecia encarar a vida como uma eterna ausência, falta de porquês, uma coisa um tanto angustiante. No final, já paciente terminal de AIDS, ele se satisfazia com a alegria de ter retornado à Porto Alegre e passar seus dias cuidando do jardim de casa. O fato é que como escritor, Caio Fernando Abreu foi um dos únicos e por isso talvez o mais importante deles a retratar a sua geração. Aliás, não só sua geração, mas toda a classe pensante brasileira que teve um momento de militância contra a ditadura militar, um período de 'desbunde' (palavrinha panfletária...) após a anistia, que vibrou com a euforia da redemocratização do país e mergulhou em desânimo e descrença com os rumos dessa falha democracia no país. Mas talvez, como poucos, Caio soube viver tudo isso da forma mais intensa que pode, e daí possivelmente tenha surgido o apelido dado por Lygia Fagundes Telles, "o escritor da paixão". Afinal, como ele mesmo registrou em uma de suas obras "(...)Após tantas tempestades e naufrágios, o que fica de mim em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro"

Um comentário:

Juliana disse...

Adoro Caio e adoreio que você escreveu, muito bom.