segunda-feira, 26 de julho de 2010

Os ossos do ofício

“Não há nada mais conservador do que um liberal no poder “

No futuro (muito distante) depois de um consenso descuidado ou de um descuido consensual se formará, após a aprovação do Congresso Nacional, o Sindicato das Profissionais do Sexo. O Sindicato terá como objetivo regulamentar e aperfeiçoar a profissão, visando reparar um erro histórico cometido pela humanidade com essa categoria do trabalho feminino; o escanteio à que a prostituição fora submetida durante toda a história sindical do século XX. À princípio, esta que fora e ainda será conhecida como a profissão mais velha dos mundos, trará consigo alguns empecilhos para sua regulamentação. Entretanto, após um breve período de confusão por parte das profissionais, haverá um cadastramento feito no Sindicato e elas receberão carteiras profissionais assinadas com direito à vale transporte, alimentação e férias. Haverá um problema: entre elas, que são amigas íntimas umas das outras ao passo que também são suas piores inimigas, nascerão intrigas e discussões à respeito de quais direitos cada uma poderia ter. Alguns clientes passarão a procurar apenas as sem carteira afim de não ter que pagar pelos benefícios. Para isso, o Sindicato estabelecerá a necessidade de uma habilitação para o exercício da profissão que segmentara as prostitutas em categorias de acordo com seu serviço (A para oral, B para anal, C para aquelas que atendem os casais, etc...). Surgirão cursinhos. Aulas de três dias bem como exame médico e psicológico que garante aos clientes poderem usufruir de profissionais bem preparadas com carteira assinada e classificação em sua habilitação (Perguntas como “Você é uma D?” durante a negociação se tornarão comuns).
Haverá um problema novo: a busca por um aperfeiçoamento nas categorias levará a um inchaço de profissionais de habilitação E cadastradas no sindicato (E = aquelas que dominam todas as práticas sexuais). A concorrência entre elas vai aumentar já que não haverá mais um motivo que destaque uma da outra.
Algumas universidades que já possuíam em seus departamentos de Antropologia núcleos de estudo acerca do sexo e da sua profissionalização irão, após um extenso projeto enviado ao MEC e uma discussão que permeará a imprensa por semanas e abalará os últimos pilares dos setores conservadores da sociedade, surgirá o primeiro curso de graduação em Ciências Eróticas e Sexuais, com habilitação em Meretrício e Cafetinagem. Com a proposta de um curso interdisciplinar, serão ministradas disciplinas nas faculdades de Saúde e História, e também de Artes Cênicas, buscando uma formação plural e abrangente. Aulas práticas (Kama Sutra I, Alongamento e tensão) e teóricas (História da prostituição no Brasil e Economia para não-economistas) serão combinadas igualmente, visando a construção de profissionais que sirvam ao mercado plenamente. Nascerão garotas de programa intelectuais. Lerão Flaubert, Balzac, Dumas e o Marquês de Sade. Conhecerão suas histórias bem como as de suas antepassadas. Novos núcleos de pesquisa se formarão nas universidades e quando o assunto já estiver saturado para a graduação, algumas moças reunidas irão propor a criação de curso de Mestrado e Doutorado, visando especializações de serviços a serem prestados.
O mercado se tornará promissor – donas de casa largarão seus maridos para investirem nessa nova graduação. O mercado se tornará também exigente: cada vez mais, as novas garotas de programa precisarão de mais e mais diplomações.
A essa altura, a primeira geração das prostitutas registradas já estará com a idade de se aposentar. E elas passarão a receber seus direitos: as férias perdidas e a aposentadoria. Indignados, os únicos setores conservadores da sociedade que ainda não estavam de acordo com esse processo, se espantarão em saber o valor que aquelas senhoras passarão a receber. Em pouco tempo, entretanto, mesmo esse setor conservador vai se render ao mercado do sexo e aceitá-lo como uma parte integrante da economia.
Os rapazes, entretanto, que também eram profissionais da área, em nada terão direito. Durante esses anos todos que se passarão, o Sindicato será administrado por mulheres que vão abominar a prostituição masculina, alegando que eles cooptam os seus clientes. Os senhores que foram, outrora, garotos de programa na juventude, vão cobrar seus direitos. Irão em busca de uma aposentadoria. De um plano de saúde. O Sindicato irá tentar escondê-los desse processo – primeiro negarão seus direitos para, à seguir, se mostrarem compreensíveis e iniciarem um processo sem fim.
A concorrência para entrar nos cursos de graduação ira aumentar e a escolha por Ciências Eróticas e Sexuais será um consenso entre as meninas que estiverem em dúvida entre Direito e Administração. As famílias se orgulharão mais da filha que entrar nesse curso do que da irmã que será aprovada em Medicina. Aos poucos o Sindicato vai ganhar um papel de destaque dentro das universidades e se formarão lideranças. À partir daí, as mulheres formarão uma cruzada contra a sua ausência política nos bastidores do poder – em pouco tempo, portanto, elegerão a primeira presidente ex-prostituta, Valentina Souza, ex-presidente e fundadora do Sindicato.
A prostituição regerá o país. Não haverá mais pudor em se tocar no assunto e isso vai inclusive causar uma mudança na língua e nas expressões: quando alguém for chamado de filho da puta vai se sentir honrado e a puta que pariu será um lugar sério, um museu quiçá. .
Aos poucos, novos ditames sociais serão criados: as prostitutas irão abominar os homens que não as querem. Todo homem, mesmo casado ou pai de família, terá que usar de seus serviços. E isso será socialmente aceito – o homem que não sair com, no mínimo, uma prostituta por semana, será vexado, duvidarão de sua sexualidade e potência. As suas senhoras, por sua vez, também terão tomado contato com a prostituição já durante uns anos; suas filhas estarão se graduando nessa profissão. Quem não for adepto da prática vai, inicialmente, ser alvo de comentários. E depois vai ser apontado na rua: retrogrado, conservador, moralista.
As igrejas não sairão ilesas desse processo. As imagens de Jesus Cristo serão derrubadas e a Nossa Senhora que repousava até então virgem e serena será substituída por uma imagem de Maria Madalena, não arrependida dessa vez, mas orgulhosa e nua. E as religiões mudarão, todas, e até mesmo a Bíblia será reescrita.
Valentina Souza se reelegerá uma, duas, três vezes. Mesmo sendo anticonstitucional. E, em seu terceiro mandato, quando o Congresso se tornar a casa de todas as mulheres oriundas do Sindicato das profissionais do sexo, conseguira aprovar uma ementa que torne a prostituição, dessa vez, uma lei. De uma condição abjeta, inicialmente, tendo passado por uma profissão legalizada, agora a prostituição será obrigatória para todo e qualquer cidadão.
E o mundo se tornará um grande bordel.

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