terça-feira, 27 de abril de 2010

O parasita da Farmácia, a função de uma universidade e como seus alunos são selecionados.

Semana passada, um período que circula pelos e-mails dos alunos da Faculdade de Farmácia e Bioquímica da USP incitava os alunos a "...jogarem bosta num casal de viados...". Prometia, àqueles que fossem responsáveis pelo feito, entrada gratuita em uma tradicional festa realizada na Farmácia, a Festa do Brega. Os autores do "concurso" alegavam que a faculdade estava repleta de homossexuais que desmoralizavam o ambiente acadêmico e, para tal, convidava os alunos a "combatê-los".
Coincidentemente, na mesma semana, mais precisamente sexta-feira passada, tivemos um incidente com uma professora que tem o curioso hábito de faltar nas aulas quinzenais (assim estabelecidas por ela, sem qualquer tipo de consulta aos alunos). A professora mais uma vez faltou na aula e mandou um e-mail avisando no mesmo dia, o que fez com que vários alunos (principalmente os que moram longe - EU!) atravessassem a cidade e, ao chegarem na USP, se deparassem com a notícia.
Eis a pergunta: coincidentemente? Sim, coincidência. Coincidência não pelo fatos em si, mas pela repercussão que ambos tiveram nos alunos e colegas, uma repercussão que, a meu ver, denota uma série de coisas.
Somos uma turma de jornalismo. Essencialmente, o jornalismo é uma profissão que se baseia na crítica, no questionamento. Quanto a isso não me refiro ao campo ideológico, absolutamente, porque independente do posicionamento, independente de censura de editor, de orgão governamental, o jornalismo é crítico, até mesmo na prática do mau jornalismo, do sensacionalismo, etc. Mas me preocupa extremamente ver uma reação tão apática dos futuros jornalistas que serão formados por aquela escola em relação a esses dois fatos que se passaram na universidade.
Em primeiro lugar, o incidente da Farmácia me indignou profundamente. Depois de ter vivido três anos maravilhosos e de pura liberação intelectual e convivência (no real sentido da palavra) dentro da ETE Getúlio Vargas, durante meu saudoso Ensino Médio, e depois de um ano no cursinho, que apesar de ter sido um ano de restrição, foi onde eu conheci meus grandes amigos e acima de tudo, cabeças brilhantes, eu me recuso a acreditar que esse pensamento tão baixo e retrogrado esteja presente em uma universidade. Isso me remete a minha antiga escola, o colégio bairrista onde eu estudei durante o Ensino Fundamental, uma escola particular que fazia jus a qualquer High School de filme americano (com direito a índices de popularidade, roupa da moda, jornal de fofocas, enfim...). Nesse antigo colégio, repito, bairrista, com crianças de 12, 13, anos, hormônios à flor da pele e uma contenção sexual pra lá de grande, que havia esse tipo de brincadeira, "viadinho, bichinha...", e se costumava apontar e desmoralizar aqueles meninos mais afeminados, que andavam com as meninas, eram bons alunos, enfim. Me espanta, sinceramente, chegar em uma universidade que se diz a maior do país, cujos mestres e doutores enchem o peito para falar de sua produção intelectual e ver esse tipo de coisa como o que aconteceu na Farmácia. Podem me achar exagerado, achar que uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra, mas eu digo que tem sim em duas instâncias: 1) Porque se pessoas com essa mentalidade tem acesso a vagas de formação científica dentro de uma universidade fomentada pelo dinheiro público, é porque sua seleção é bastante incoerente; 2) Porque não houve repercussão interna na faculdade. Externamente diversos orgãos se mobilizaram, mas dentro da USP, o que vejo são alguns poucos C.A.s escrevendo "cartas de repúdio".
Voltando ao caso da professora que faltou (que já faltava e que, certamente, faltará eternidade afora), volto a dizer: a seleção dos alunos é equivocada por demais. Não quero entrar em um juízo de valores, não quero estabelecer maniqueísmos, mas dentro de uma sala de jornalismo o que eu esperava era, minimamente, um questionamento adulto, conciso, bastante frio inclusive. Ouvi coisas desde "...se a professora ficaria ofendida com alguma manifestação nossa" até "eu não fui prejudicado pela falta dela" me deixaram desacreditado. Outros, já bastante passionais, canalizando sua rebeldia revolucionária de forma errada, queriam "quebrar o pau com a mulher". Enfim, de um modo ou de outro, essas atitudes me desacreditam, porque, independente de gostarmos ou não dela (e eu até gosto!), cobrar de uma profissional que ela seja pontual, que ela cumpra seu cronograma, que ela evite atrasos, que ela seja correta e respeite seus alunos assim como nós a respeitamos, não é nada além do óbvio. Não é nada além do que se cobra em empresas, em jornais, no mercado de um modo geral.
Nesse quesito, enxergar um conformismo tão explícito nos colegas me deixa meio estarrecido com o que se propõe a ser feito no jornalismo no futuro. Com o conformismo não se muda nada. As vagas de cada um de nós em uma universidade pública são custeadas pelos impostos pagos pela sociedade. De um mau encaminhamento desses impostos já basta o que é desviado por esquemas políticos do alto escalão governamental. Agora, sobretudo, se essa sociedade vai continuar alimentando esses futuros profissionais da imprensa, que não sejam profissionais conformados. Que se revoltem ainda com o preconceito, com a discriminação, com o descumprimento de regras, com a desorganização civil. Espero que a cabeça de alguns mude ou que se mude a forma de selecionar a entrada deles na universidade.

2 comentários:

carol. disse...

humm... revoltadinho, você.

Talita disse...

Que triste ouvir certas coisas se você. Percebe-se muito bem que você acreditou na mídia de baixo calão que usou a Farma-USP como usaram a Geisy da Uniban pra ter o que passar na TV. Basear-se nesse tipo de notícia sem nem ao menos perguntar pra um dos integrantes da faculdade ou ler o tal periodico na integra é simplesmente lamentável.
Mais lamentável ainda é você falar que não houve repercurssão interna. Porque não foi a sua faculdade que perdeu o Centro de Vivência, nem foram os alunos da sua instituição que foram bombardeados pelos meios de comunicação em massa com perguntas idiotas e de baixo calão, ou seus colegas a ter de enfrentar uma assembléia geral e ouvir de todos os alunos integrantes de tal faculdade que querem que o responsável assuma seu atos, não porque querem saber quem é, mas porque não querem o nome da faculdade manchado do jeito que foi. Não foi você que se lamentou por ouvir comentários preconceituosos no onibus, metro, andando na rua, sobre todos os integrantes da faculdade de farmácia da USP generalizando um ato de UM aluno. É Leo. Todos os Farmacêuticos da USP são homofóbicos, e generalizar é formar opinião.
Procure se informar melhor. Procure os sites do CAFB, da Atlética da Farmácia, do DCE da USP.
Dai sim, aponte falta de repercursão e aponte falta de indignação.